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Desmistificando o Terror Noturno na Infância

Introdução


Os terrores noturnos ou terrores do sono são parassonias (desordens do sono) caracterizadas por episódios de terror acentuado e pânico, que surgem de modo repentino durante o sono da criança, associados à intensa vocalização e motilidade (gritos e movimentos), acompanhados por altos níveis de descarga autonômica.


A maioria dos episódios tem duração breve e a criança não se recorda do ocorrido. Não existe tratamento específico para essa parassonia e seu diagnóstico e manejo requer a presença de uma equipe multiprofissional. O prognóstico é bom, sendo que grande parte das crianças cessam os episódios até dez anos de idade.



Epidemiologia


A prevalência dos terrores noturnos é incerta, porém alguns estudos estimam que ocorra entre 1 e 6,5% das crianças entre 1 e 12 anos de idade, mas geralmente ocorre em crianças entre 4 e 12 anos de idade, com pico entre 5 e 7 anos, sendo incomum após a puberdade. Na infância é discretamente mais prevalente em meninos do que em meninas. Esta parassonia afeta menos de 1% dos adultos e, quando ela ocorre, pode ser um indicativo de alterações neurológicas sobrejacentes que devem ser investigadas.


Fisiopatologia


A fisiopatologia desta parassonia permanece desconhecida, entretanto presume-se que a instabilidade da fase do sono de ondas lentas, estágio este que prevalece no terço inicial do período de sono, seja responsável por este distúrbio.


Existem alguns fatores que podem aumentar a probabilidade da ocorrência dos terrores noturnos que incluem estresse agudo associado a quadros de febre ou privação de sono, ambiente de sono com ruídos altos, fadiga, atividade física excessiva, bexiga cheia durante o sono, síndrome das pernas inquietas, síndrome do estresse pós traumático e vítimas de bullying, Transtorno do Espectro Autista, Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH), enxaqueca infantil, uso excessivo de cafeína, síndrome da apnéia obstrutiva do sono e epilepsia. Algumas doenças como doença do refluxo gastroesofágico e asma podem precipitar este distúrbio. Existem alguns medicamentos que podem desencadear os terrores noturnos como os neurolépticos, sedativos-hipnóticos e anti-histamínicos. Além disso, existem evidências para um fator de risco genético envolvido nos terrores noturnos, sendo que a prevalência dessa patologia em parentes de primeiro grau de um indivíduo afetado é pelo menos dez vezes maior do que na população em geral.


Manifestações clínicas


Conforme dito anteriormente, os terrores noturnos costumam ocorrer nas primeiras três horas de sono, durante o estágio de ondas lentas 3 ou 4. Durante o episódio a criança costuma despertar abruptamente do sono, sentar-se ou pular na cama, gritar de terror e medo intenso, apresentando uma expressão facial de susto ou pânico. Eventualmente a criança pode correr na tentativa de escapar de um perigo inexistente. A criança pode ou não falar durante o episódio, caso ela fale, geralmente é de forma incoerente e desorganizada, pode ficar também com olhar parado.


Outros sintomas acompanham o episódio, ocorre uma hiperatividade autonômica e a criança pode ficar com coração e respiração acelerados (taquicardia e taquipnéia), suor intenso, ficar com o rosto vermelho, pupilas dilatadas, agitação, tremores e aumento do tônus muscular (ficar mais rígida). A enurese (urinar) é algo menos frequente, mas também pode ocorrer. É Importante destacar que durante a ocorrência do evento o paciente não está nem totalmente adormecido, nem totalmente desperto.


Geralmente os episódios duram alguns minutos (entre 2 e 15 minutos), porém alguns podem durar até uma hora. Após o término do evento, a criança tende a adormecer abruptamente novamente. Na manhã do dia seguinte o paciente pode apresentar amnésia retrógrada, não se lembrando do ocorrido.


Exame físico e diagnóstico


O diagnóstico dos terrores noturnos é clínico, através da obtenção de uma história cautelosa, detalhando o episódio atual com a ajuda do familiar ou da testemunha do evento. Assim, é importante investigar a quantidade de sono da criança, sobre a existência de ansiedade na hora de dormir, à respeito da exposição ou uso de medicamentos que precipitam o quadro, se apresenta enxaqueca ou outras condições médicas que podem desencadear essa parassonia e se existem outros casos na família. Os detalhes do evento atual permitem distinguir esta parassonia de outros distúrbios do sono como pesadelos, sonambulismos e epilepsia do lobo frontal.


No exame físico, o médico deve buscar características que possam interferir na qualidade do sono como alterações faciais, cervicais, além de hipertrofia tonsilar, micrognatia e macroglossia, podendo desencadear um quadro de apnéia obstrutiva do sono, bem como verificar a presença de alterações ao exame neurológico.


A polissonografia é recomendada caso os terrores noturnos se apresentem de maneira atípica em termos de idade de início, duração e manifestação, ou caso os eventos ocorram com frequência superior a duas vezes por semana, se houver suspeita de apnéia obstrutiva do sono ou presença movimentos frequentes no período do sono e na hipótese de os episódios estarem sendo desencadeados por uma atividade epileptogênica. Este exame visa monitorar as atividades fisiológicas do paciente durante o repouso, através de vários testes que permitem avaliar a movimentação dos olhos, a atividade elétrica cerebral, o nível de oxigênio no sangue, a frequência cardíaca, os movimentos e o fluxo respiratório, servindo como importante ferramenta para diagnosticar distúrbios do sono.


O eletroencefalograma (EEG) é um exame que avalia a atividade elétrica cerebral e pode ser utilizado para afastar outros diagnósticos diferenciais, como quando há suspeita de epilepsia do lobo frontal, por exemplo. O EEG é um exame indolor e não invasivo, onde são colocados eletrodos no couro cabeludo da criança, que captam as ondas cerebrais emitidas ora durante períodos de vigília, ora durante o sono. A presença de vídeos documentando os terrores noturnos é muito útil para o diagnóstico.

Tratamento e orientação aos pais


Os terrores noturnos esporádicos costumam ser superados com a idade, sendo necessária a educação e o apoio dos pais nesse processo. Devido ao fato da privação de sono aumentar o risco do terror noturno, é importante que a criança mantenha uma boa higiene de sono e um ambiente adequado para repousar, sem animais de estimação pulando na cama ou ruídos ambientais muito altos. Abaixo uma tabela com a quantidade de horas de sono recomendada por idade de acordo com a American Academy of Sleep Medicine:



* Pode ter variações individuais na quantidade necessária de sono


Devem ser evitadas bebidas a base de cafeína e medicamentos desencadeadores dessa parassonia. Além disso, objetos na área ao redor da cama, que possam causar danos ao paciente, devem ser removidos como medida de segurança.


Se os terrores noturnos forem frequentes e graves ou estiverem associados a uma perturbação funcional como fadiga, sonolência diurna excessiva e angústia, pode-se fazer uso de clonazepam, um medicamento que pode suprimir o estágio três e quatro do sono de ondas lentas. Deve-se administrá-lo 90 minutos antes da criança adormecer a fim dele atingir níveis adequados e efetivos da droga nas primeiras horas de sono, que é o momento onde predominam os terrores noturnos. A melatonina e os antidepressivos tricíclicos e os inibidores seletivos da recaptação da serotonina também podem ser efetivos no tratamento medicamentoso dos terrores noturnos. Lembrando que é essencial procurar ajuda de um especialista para avaliar o caso de ver a necessidade e indicação de tais medicações.


Caso esteja ocorrendo um conflito na vida da criança que gere estresse excessivo, recomenda-se um acompanhamento com psicólogo, a fim de auxiliar a diminuir a frequência dos episódios.


Prognóstico


Como dito anteriormente, grande parte das crianças supera o distúrbio até o final da adolescência, ou até antes, primeiramente se ele começa na primeira infância. Entretanto, caso o início ocorra na puberdade ou mais tardiamente, ele pode persistir na idade adulta.

Meu filho tem terrores noturnos, e agora?

  • Mantenha a calma e espere até que seu filho também se acalme

  • Não interaja ou intervenha no episódio, a menos que a criança não esteja em segurança. Apesar dos terrores noturnos serem assustadores de se testemunhar, eles não irão prejudicar seu filho

  • Não tente acordar a criança durante um episódio, ela pode não reconhecê-lo e acabar por ficar mais agitada ainda caso você tente confortá-la

  • Frequentemente seu filho não se lembrará do episódio na manhã seguinte, mas é importante conversar com ele para tentar descobrir se algo o está preocupando e gerando os episódios

  • Estabeleça uma rotina relaxante na hora de dormir

  • Tente não discutir os episódios da parassonia com o seu filho de uma maneira que o deixe preocupado, pois isso pode desencadear maior ansiedade

  • Acorde seu filho 15 minutos antes do horário previsto para o episódio todas as noites durante 7 dias (isso pode afetar o padrão do sono a ponto de interromper os episódios sem afetar a qualidade do sono)



Este texto foi produzido como atividade do Projeto Padrinho Med.


O projeto Padrinho Med foi idealizado pela médica Flávia Ju e tem objetivo de aproximar os médicos dos estudantes de medicina, promovendo troca de experiências e produção de conteúdo tanto científico quanto informativo à população






Autora do texto: Laura Comeli Ordonho





Acadêmica do 7º período de medicina da PUC - Campinas















Coautora e revisora: Benaia Silva - médica neurologista pediátrica.






Para mais informações sobre a autora clique na imagem ao lado



REFERÊNCIAS:


Horn NLV, Street M. Night Terrors. Stat Pearls, 2021. Disponível em: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/books/NBK493222/?report=classic. Acesso em: 20 de Setembro de 2021.


Leung AKCL, et al. Sleep Terrors: An Updated Review. Current Pediatric Reviews, 2020. Disponível em: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC8193803/. Acesso em: 18 de Setembro de 2021.


Boyden SD, et al. An evolutionary perspective on night terrors. Evolution, Medicine & Public Health, 2018. Disponível em: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC5941156/. Acesso em 28 de Outubro de 2021.


Fleetham JA, Fleming JAE. Parasomnias. CMAJ, 2014. Disponível em: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC4016090/. Acesso em 28 de Outubro de 2021.


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