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Uma Jornada de descobertas sobre os tumores cerebrais pediátricos - Episódio de hoje: ASTROCITOMAS



Introdução


As neoplasias do sistema nervoso central são os tumores sólidos mais comuns em crianças, trata-se de uma causa importante de morbidade e mortalidade nesse público. Sua incidência anual é de 2 a 5 casos a cada 100.000 crianças .Os sinais e sintomas dependem de alguns fatores que incluem a idade da criança, localização e a taxa de crescimento desse tumor. Aqui trataremos dos astrocitomas, um tipo de glioma, que representam mais da metade de todas as malignidades primárias do sistema nervoso central na faixa etária pediátrica.


O que são os gliomas?


Denomina-se glioma qualquer neoplasia (massa de tecido anormal), seja ela benigna ou maligna, que acomete as células da glia cerebrais, que incluem os astrócitos, oligodendrócitos e células ependimárias. O enfoque deste artigo são os astrócitos, que se encontram por todo o sistema nervoso central e tem função de regulação e suporte estrutural, são as células que originam os astrocitomas.


Astrócitos vistos na microscopia eletrônica, corados pela técnica de sublimado-ouro de Cajal. Fonte: Anatomia patológica da UNICAMP

Epidemiologia


Os tipos de câncer mais comuns em crianças são, em primeiro lugar, a leucemia, seguida pelos tumores do sistema nervoso central. Eles representam 20 a 25% do total dos tumores malignos na fase da infância e adolescência, podem ser supratentoriais e infratentoriais, sendo 60% deles do último tipo. Os astrocitomas difusos, os gliomas angiocêntricos, xantoastrocitomas pleomórficos e os oligodendrogliomas são supratentoriais. Os astrocitomas pilocíticos, por sua vez, costumam ser infratentoriais. Até os três anos de idade, predominam os tumores supratentoriais, os tumores infratentoriais são mais comuns em crianças com faixa etária entre 4 e 10 anos. Os astrocitomas por sua vez, tem seu pico de incidência entre os 5 e 8 anos. Sendo que o glioma do tipo astrocitoma pilocítico é o mais comum em crianças.


Os tumores supratentoriais estão localizados acima da tenda do cerebelo e os tumores infratentoriais estão situados abaixo dessa estrutura. Fonte: Sociedade Brasileira de Pediatria

Etiologia


Existem alguns fatores de risco conhecidos que contribuem para a gênese dos tumores, aqui estão incluídas algumas síndromes genéticas como a neurofibromatose tipo 1, esclerose tuberosa, síndrome de Li-Fraumeni e outras condições hereditárias menos frequentes como a síndrome de Turcot. Além destes fatores, é uniformemente acordado que o ambiente, através da exposição à radiação UV e ionizante contribuem para o desenvolvimento desses tumores. Os astrocitomas desenvolvem-se a partir das células gliais denominadas astrócitos, que têm a função de sustentar e nutrir os neurônios.


Classificação


Há algumas classificações propostas pela Organização Mundial da Saúde (OMS) para a neoplasia cerebral pediátrica, sendo que uma delas pauta-se pela aparência histológica e parâmetros moleculares do tumor e a outra categoriza as neoplasias de acordo com a velocidade de crescimento e padrão de infiltração tumoral tissular (infiltração no tecido).


Abordando a categorização que se pauta no padrão histológico e molecular, destaca-se que em 2016 a classificação da OMS de tumores pediátricos cerebrais foi revista e os astrocitomas foram separados em difusos, incluindo astrocitoma difuso, astrocitoma anaplásico, glioblastoma, oligodendroma e glioma do tronco encefálico de alto grau. E em tumores com padrões de crescimento mais circunscritos, agrupados como outros tumores astrocíticos, que incluem astrocitoma pilocítico, astrocitoma subependimário de células gigantes e xantoastrocitoma pleomórfico.


Em outro extremo temos a classificação desses tumores em graus, indo do grau I ao IV, dependendo da velocidade de expansão dessa massa e seu padrão de infiltração para o tecido cerebral próximo. O grau 1 possui crescimento lento, e seu principal representante é o astrocitoma pilocítico juvenil. Dentre os outros graus, este é o mais comum encontrado na faixa etária pediátrica. Ele usualmente se localiza no cerebelo, cérebro e nervo óptico e tem caráter benigno. O grau 2 tem capacidade infiltrativa de tecidos adjacentes e não possui bordas bem definidas, seu representante é o astrocitoma fibrilar. Esses tumores ocorrem com maior frequência em adultos entre 20 e 40 anos. O grau 3 representa um tumor maligno, infiltrante e com crescimento mais rápido do que os graus anteriores. Destaca-se o astrocitoma anaplásico, que acomete preferencialmente indivíduos entre 30 e 50 anos de idade. O grau 4 compreende os astrocitomas mais malignos e agressivos, merece destaque o glioblastoma multiforme. Trata-se de um tumor de crescimento rápido, com alto poder de infiltração nos tecidos adjacentes e disseminação pelo restante do sistema nervoso central. Ocorre com maior frequência em homens, de idade entre 50 e 80 anos.


Classificação de 2016 dos tumores cerebrais pediátricos de acordo com a Organização Mundial da Saúde. Fonte: Organização Mundial da Saúde

Manifestações clínicas


Os sinais clínicos dessas neoplasias variam de acordo com o tamanho da lesão, velocidade de crescimento e topografia. As manifestações clínicas do astrocitoma difuso incluem dores de cabeça, problemas visuais, sensoriais e motores caso o tumor seja de localização talâmica. Desse modo, o paciente pode apresentar hemiparesia e distúrbios da marcha. As crises epilépticas são mais comuns nos astrocitomas anaplásicos e nos difusos. Quanto os tumores se localizam no tronco encefálico, os pacientes podem apresentar sinais de hiperreflexia, clônus e tônus aumentados, sinal de Babinski, paralisia dos nervos cranianos e ataxia. Nesta localização, a hidrocefalia costuma ser uma manifestação em casos de tumores exofíticos situados no teto do mesencéfalo. Por sua vez, o astrocitoma pilocítico, categorizado como astrocitoma não difuso, apresenta manifestações clínicas sutis, visto que ocorre uma adaptação cerebral frente à presença de um tumor de crescimento lento. Nessa classe também encontram-se os xantoastrocitomas pleomórficos, de localização comum no lobo temporal, que podem resultar em crises epilépticas. Os astrocitomas de grandes células subependimários, por se localizar frequentemente nas paredes do ventrículo lateral, geram manifestações resultantes de um quadro de hipertensão intracraniana que incluem náuseas, vômitos, dores de cabeça e hidrocefalia.

Diagnóstico


O diagnóstico dos astrocitomas é obtido a partir da história clínica, da avaliação física do paciente e exames laboratoriais e de imagem. Os exames de neuroimagem usados incluem a Tomografia Computadorizada de crânio, que pode ser solicitada anteriormente e posteriormente, complementada com a Ressonância Magnética de crânio com contraste. O estudo do líquor com manometria pode ser solicitado como exame complementar, pensando-se em diagnósticos diferenciais. A biópsia da lesão é recomendada em grande parte dos casos.


Tratamento


O ponto central para o sucesso do tratamento oncológico consiste na presença de uma equipe multidisciplinar que inclui neuropediatras, neurologistas, neurocirurgiões, radiologistas, radioterapeutas e também uma equipe que atuará na reabilitação com fisioterapeutas, terapeutas ocupacionais, fonoaudiólogos, nutricionistas e psicólogos. O tratamento dos astrocitomas de grau I envolve a ressecção cirúrgica, seja ela parcial ou completa.


Após a operação o paciente é submetido à radioterapia adjuvante para destruir as células tumorais restantes. Em caso de persistência dessas células, pode-se administrar quimioterapia juntamente com a radioterapia adjuvante, essa modalidade terapêutica pode ser usada ao invés da radiação em crianças muito pequenas, a fim de evitar danos ao cérebro que está em processo de maturação. Como existe o risco do astrocitoma grau I progredir para um grau mais elevado, é importante realizar o acompanhamento deles com exames de imagem em intervalos regulares.


No astrocitoma grau II o tratamento depende de duas variáveis, que envolvem o volume e a localização do tumor. Caso o tumor esteja infiltrado em tecidos adjacentes, ele não poderá ser removido em sua totalidade cirurgicamente. Sendo assim a radiação pode ser usada em casos de incapacidade de acesso ao tumor ou em adição à cirurgia. Esses tumores podem também evoluir para graus maiores, necessitando de acompanhamento.


No astrocitoma grau III o tratamento depende do tamanho, localização tumoral e do quanto este tumor está disseminado. O tratamento inicial envolve ressecção cirúrgica e radioterapia adjuvante acompanhada por quimioterapia. Existem várias modalidades de radioterapia que podem ser usadas, incluindo a radiação de feixe externo convencional, radiação focalizada, radiação implantada por radiocirurgia estereotáxica ou radiação conformada, cabendo ao oncologista tomar a decisão sobre qual modalidade utilizar. Os agentes quimioterápicos mais comuns para tratar esse grau de astrocitoma incluem a carmustina, lomustina, procarbazina, cisplatina e temozolomida.


No caso do astrocitoma de grau IV o tratamento inicial costuma envolver a intervenção cirúrgica, que muitas vezes só remove parte do tumor, devido à alta capacidade infiltrativa deste tipo. Devido a isso, a radioterapia adjuvante e quimioterapia são usadas após a ressecção para continuar o tratamento.

Prognóstico


O prognóstico dos tumores cerebrais pediátricos em geral depende da idade da criança, do tipo e grau do tumor e da sua localização, mas em geral a sobrevida em 5 anos de pacientes com tumores do SNC é de 73%. Os astrocitomas pilocíticos e os astrocitomas fibrilares têm excelente taxa de sobrevida, mesmo em casos de ressecção parcial, sendo que o tratamento objetiva o controle tumoral principalmente. Em caso de neoplasias de maior gravidade, a extensão da ressecção da neoplasia possui correlação com a sobrevida, de modo que pacientes com glioblastoma pediátrico e astrocitoma anaplásico submetidos a intervenções cirúrgicas que tenham retirado uma porcentagem igual ou maior do que 90% do tumor, terão maior probabilidade de terem sobrevida livre de progressão em cinco anos, enquanto nas ressecções parciais essas chances diminuem. Separando-se por idade, foi visto que crianças menores de 72 meses têm maior chance de terem sobrevida livre de eventos e sobrevida global em comparação a crianças de 36 meses.

Orientação aos pais


O Maio Cinza é uma campanha que foi criada com a proposta de informar a população a respeito do câncer cerebral, trazendo ao conhecimento público seus principais sintomas e ressaltando a importância do diagnóstico precoce. Trata-se de um mês de conscientização e combate à essa neoplasia, seu símbolo é representado pelo laço cinza.


O vídeo de sugestão é feito pelo hospital estadunidense Jon Hopkins, que é uma referência mundial em neurocirurgia. Nesse vídeo o neurocirurgião Alan Cohen discorre a respeito dos tumores cerebrais pediátricos, seus sintomas, seu tratamento, intervenções cirúrgicas possíveis e prognóstico.




Este texto foi produzido como atividade do Projeto Padrinho Med.



O projeto Padrinho Med foi idealizado pela médica Flávia Ju e tem objetivo de aproximar os médicos dos estudantes de medicina, promovendo troca de experiências e produção de conteúdo tanto científico quanto informativo à população







Autora do texto: Laura Comeli Ordonho




Acadêmica do 8º período de medicina da PUC - Campinas
















Coautora e revisora: Benaia Silva - médica neurologista pediátrica.


Para mais informações sobre a autora clique na imagem ao lado




REFERÊNCIAS


RODRIGUES MM, Vilanova LCP. Tratado de Neurologia Infantil. 1a. Edição, Editora Atheneu, 2016.


WELLS, EM. et al. Pediatric Brain Tumors. Continuum Jornal, 2015; 21(2):373–396.


HODZIC, M. et al. Diagnosis and Treatment of Pediatric Brain Tumors. Acta Medica Academica, 2020;49(Suppl 1):S37-4.


Astrocytoma. Nacional Organization for Rare Disorders, 2015. Disponível em: https://rarediseases.org/rare-diseases/astrocytoma/. Acesso em: 10 de Fevereiro de 2022.


TAILOR, J. et al. Brain and Spinal Cord Tumors in Children. Pediatric Clinics of North America, 2021; 68(4), 811–824.


Tecido Nervoso Normal e Reações Patológicas Básicas. Anatomia Patológica UNICAMP. Disponível em: http://anatpat.unicamp.br/bineuhistogeral.html. Acesso em: 15 de Fevereiro de 2022.



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