Existem muitas doenças que relacionam alterações da pele com alterações neurológicas. Isso ocorre pois tanto as células da pele quando do sistema nervoso tem a mesma origem embrionária, ou seja, lá quando ocorreu a concepção e as células começaram a se diferencias tanto a pele quanto o cérebro vieram de um mesmo grupo de células que chamamos ectoderme. Assim uma mutação ou algum defeito que afete esse grupo de células pode gerar alterações na pele e no sistema nervoso ao mesmo tempo. Essas doenças são chamadas de facomatoses.
Hoje quero falar um pouco sobre a Neurofibromatose tipo 1, ela é a facomatose mais comum e a doença monogenética (tem origem da mutação de apenas 1 único gene) mais comum também. Ocorre em 1 a cada 2500 nascidos vivos.
Primeiramente, como que identificamos os sinais da Neurofibromatose tipo 1?
Passo 1 – Existem manchas café ao leite?
É necessário que existam no mínimo 6 manchas com pelo menos 5mm de diâmetro na infância ou maior que 15mm após a puberdade
Tem coloração marrom, são arredondadas
Passo 2 - Existem Efélides (sardas) na axila ou região inguinal?
Medem de 1 a 3 mm, são semelhantes as sardas faciais, colação escurecida (hiperpigmentada).
Geralmente surgem entre 3 e 5 anos
Até recentemente esses dois juntos eram suficientes para o diagnóstico para NF1, mas após a descoberta da Sd Legius foi necessários deixar o diagnóstico clínico mais específico, sendo acrescentada mais características essenciais.
Passo 3 – ele fecha os critérios diagnósticos do consenso?
Precisa ter 2 ou mais elementos da tabela abaixo
Mancha Café com Leite
6 ou + > 5mm pré-puberal
6 ou + > 15mm pós-puberal
Ocorrem em cerca de 95% das pessoas com NF1
Sardas
2 ou + em axila e região inguinal
Ocorrem em cerca de 87% das pessoas com NF1
Neurofibroma
2 ou + de qualquer tipo
Ocorrem em cerca de 75% das pessoas com NF1
Glioma
Do nervo óptico ou via óptica (Astrocitoma) diagnosticado por RM
Ocorrem em cerca de 6% das pessoas com NF1
Nódulos de Lisch e/ou alterações coroidianas (TCO)
2 ou + hamartomas nodulares na íris identificado por oftalmologista
Ocorrem em cerca de 78% das pessoas com NF1
Displasia óssea
Alterações ósseas como displasia do esfenóide, afinamento dos ossos longos com ou ser pseudoartrose
Ocorrem em cerca de 5% das pessoas com NF1
Histórico familiar
Parente de 1 grau com diagnóstico de NF1
Ocorrem em cerca de 50% das pessoas com NF1
Passo 4 – Diagnóstico confirmado de NF1
Caso estejam presentes 2 critérios dos citados acima sejam quais forem o diagnóstico está confirmado e não há necessidade de biópsia, ressonância ou testes genéticos para confirmar a doença.
Se apenas as alterações da pigmentação estiverem presentes podem ser considerados outros diagnósticos genéticos como Síndrome de Legius, Síndrome de Noonan com múltiplos lentigos e Síndrome da Deficiência Constitucional de Reparo do DNA, nesse caso existe a recomendação da realização do painel para NF1, NF2 e SPRED1
A NF1 clássica ocorre devido a uma mutação localizada no cromossomo 17 (locus17q11,2) que gera displasias teciduais e formação de tumores de origem neural.
Passo 5 – Pesquisar tumores
Os tumores mais comuns são neurofibromas, neurofibromas plexiformes, tumores malignos da bainha de mielina (MPNST) e os gliomas ópticos.
Os Neurofibromas são palpáveis ou visíveis quando localizados próximos a pele.
Quando dor começa a ocorrer principalmente nos tumores maiores (neurofibromas plexiformes devemos suspeitar do MPNST, a malignização do tumor. Para confirmar é necessária a realização de biópsia. Se confirmado a cirurgia de retirado deve ser indicada.
Os gliomas ópticos são tuimores de lento crescimento, geralmente os sintomas iniciais levam tempo para ser percebidos. Pode se manifestar através de uma discreta redução da visão. Um modo de diagnosticar precocemente é através de uma ressonancia de crânio.
Curiosidade -> Existem 4 variantes da NF1
Síndrome de Watson
Manchas café com leite, Nódulos de Lisch, estenose pulmonar, baixa estatura, macrocefalia, déficits cognitivos e neurofibromas
Deleção do gene 5%
Grandes deleções do gene da NF1 causa também – dismorfismo facial, hipertelorismo, fenda palpebral inclinada, nariz largo, alta estatura com mãos e pés grandes, pectus escavatum, pescoço largo, hiperflexibilidade articular, hipotonia muscular, cistos ósseos, pé cavo, neurofibromas iniciados em idade precoce e em maior número, neurofibromas espinhais, o dobre de risco de MPNST, atraso cognitivo importante, dificuldades escolares, defeitos cardíacos congênitos, escoliose
Mosaicismo 1%
2 ou + critérios da NF1 presentes apenas em um segmento do corpo
Forma espinhal
Poucas manchas café com leite, estatura normal, ausência de neurofibromas cutâneos, mas com múltiplos neurofibromas espinhais, geralmente bilaterais e envolvendo todas as 38 raízes espinhais. Maior risco para MPNST
Cerca de 50% das pessoas com NF1 não tem parentes com a doenças e são mutações novas, chamamos de “de novo”.
Outros sintomas associados que não são critério para o diagnóstico
Dificuldade do aprendizado
Cifoescoliose
Hipertensão arterial
Aumento do risco de alguns tipos de câncer
Portanto as pessoas que receberam o diagnóstico de NF1 precisam ser acompanhadas de uma forma integral, considerando todos esses elementos em conjunto.
Deve ser explicado problemas que podem vir associados e estabelecer um plano de acompanhamento e prevenção, além de dar suporte para as dificuldades identificadas.
No meu caso da neuropediatria uma das questões que mais preciso focar é na dificuldades escolar e dificuldades cognitivas relacionadas ao quadro. Esse tema irei abordar em um próximo artigo.
Luis Paulo F S Dutra, médico neurologista pediátrico.
Para mais informações sobre o autor do texto clique no logo ao lado.
Referências
AMANF - ASSOCIAÇÃO MINEIRA DE APOIO ÀS PESSOAS COM NEUROFIBROMATOSES
CONTINUUM (MINNEAP MINN) 2018;24(1, CHILD NEUROLOGY):96–129
Rodruigues LOC, Neurofibromatoses: part 1 – diagnosis and differential diagnosis Arq Neuropsiquiatr 2014;72(3):241-250 DOI: 10.1590/0004-282X20130241
Comments