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Transtorno do Espectro Autista - Onde estão e como encontrá-los?


Hoje dia 02 de abril é o Dia Mundial de Conscientização sobre o Autismo. E para conscientizar e informar vamos divulgar esse texto em parceria do Pequenos Neurônios com a empresa Care4life com informações sobre o que é o autismo e como fazer o diagnóstico.

Sintomas e características do Transtorno do espectro autista (TEA)

Para entender como é feito o diagnóstico de TEA, antes precisamos entender o que ele é e como se apresenta. O TEA é um transtorno do neurodesenvolvimento e está presente desde o início da vida. São afetadas a comunicação e a interação social, além de haver um padrão restritivo e repetitivo de comportamento, interesses ou atividades conforme apresentado no DSM V (Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais - 5ª edição).

Mas afinal, o que significa tudo isso? Se até os médicos têm certa dificuldade de entender esses termos, imaginem as famílias. Não é de se surpreender que tantos apresentem certa apreensão com o diagnóstico e de aceitar a importância dos tratamentos. É por esse motivo que vou tentar trazer esses itens diretamente do DSM V e representá-los através de exemplos do cotidiano.

Antes de começar quero deixar claro que esses são exemplos fictícios e que crianças típicas ou atípicas poderiam em algum momento apresentar qualquer um desses comportamentos, mas não de forma rotineira.

Déficit na comunicação e interação social

Imagine uma criança, entre 2 a 3 anos, que acabou de achar uma pedra brilhante muito bonita no quintal de casa. Ir até a pedra pegá-la e observá-la seria natural e também tentar levar a pedra até os pais para compartilhar o seu interesse. Nesse caso ela poderia levar a pedra até o pai, estender o objeto enquanto olha nos olhos dele e falar algo ou não, talvez sorrir para mostrar a sua felicidade com o achado. E nesse momento aguardaria uma resposta do pai, seja um olhar, sorriso ou uma conversa e sairia satisfeita dessa interação.

Uma criança atípica nesta mesma situação poderia ter o mesmo fascínio pelo objeto, mas dificilmente levaria até os pais para exibí-lo e, se os pais tentassem compartilhar do achado, seria difícil iniciar o contato, manter contato visual, caso entrasse na interação através de uma proximidade intensa dos pais provavelmente ela não demonstraria a emoção/interesse que sentiu pelo objeto e talvez tentasse apenas desviar dos pais.

Agora veremos um exemplo da dificuldade nessa área em um bebê de cerca de 6 meses. Nessa idade já é esperado que ele siga a face dos pais com o olhar e apresente sorriso social (que é o sorrir estimulado por uma interação). Mas um bebê dentro do espectro, mesmo com a visão normal, poderia não olhar para o rosto dos pais nem apresentar sorriso social. Possivelmente objetos chamariam mais a sua atenção do que as pessoas.

Uma criança mais velha atípica (dentro do espectro autista) e verbal (com linguagem desenvolvida) pode vir a iniciar interação ou manter interação com outros indivíduos. As vezes é possível perceber que o contato visual é breve ou anormal e que a fala não varia a entonação de acordo com emoções; a face pode também demonstrar pouco suas emoções e a fala pode conter uma estrutura, gramática e vocabulário excessivamente formal ou inadequada para aquela situação.

Padrões restritos e repetitivos de comportamento, interesses ou atividades

Para exemplificar essa área vamos imaginar uma criança de 6 anos brincando com carrinhos. Começaremos com uma criança típica. Ela pega um carrinho e começa a correr por uma pista imaginária. A cada acelerada faz o barulho do motor do carro e então o carro faz uma brusca freada ao lado de um colega e a criança começa um diálogo. Ela cria uma história, com personagens, atribui desafios, inimigos, narra uma briga que logo é vencida pelo herói. Caso o pai venha a perguntar quem é quem, logo dá uma explicação. Talvez difícil de entender mas identifica os principais atores e faz uma narrativa simples.

O brincar de uma criança dentro espectro pode ser bem diferente. Imagine a criança agora com os mesmos carrinhos. Ela talvez pegue os carrinhos, simule aceleradas e os sons de forma correta. Mas não há construção de um contexto, de uma aventura. Talvez haja uma excessiva preocupação com as partes do brinquedo. O observar como as rodas giram pode até ser mais estimulante que uma corrida fictícia. Talvez depois comece a enfileirar os carros e deixá-los organizados. Caso um dos pais tente participar e pegar um dos carros enfileirados a reação pode ser de irritação, demonstrada sem o contato ocular. Talvez com grito e um balançar das mãos.

Uma criança atípica, verbal (com linguagem desenvolvida), um pouco mais velha pode ter excessivo interesse por um determinado tema, como linhas de ônibus. Ela pode ter um conhecimento impressionante de como as linhas são distribuídas, por quais ruas passam e quais os horários de funcionamento. Ela pode até ter o ímpeto de manter um diálogo que foi iniciado naquele assunto, porém recusa manter conversação sobre qualquer outro tema. E isso acaba limitando o número de interações com crianças da mesma idade ou com outros adultos.

Espero que esses exemplos tenham ajudado, pelo menos parcialmente, no reconhecimento de algumas das apresentações que as crianças dentro do espectro podem demonstrar. De uma forma simplificada podemos listar alguns itens que nos levem a pensar na possibilidade de TEA. Considerando crianças entre 16 e 30 meses de idade, na presença de pelo menos três itens abaixo, existe uma suspeita que deve ser avaliada por médico e se necessário um especialista. (Os itens foram inspirados na escala do MCHAT que será explicada mais abaixo)

· Não manter contato visual por mais de 2 segundos;

· Não atender quando chamado pelo nome;

· Isolar-se ou não se interessar por outras crianças;

· Alinhar objetos;

· Ser muito preso a rotinas a ponto de entrar em crise se houver mudanças;

· Não brincar com brinquedos de forma convencional;

· Fazer movimentos repetitivos sem função aparente;

· Dificuldades em comunicação: Não falar ou não fazer gestos para mostrar algo;

· Repetir frases ou palavras em momentos inadequados, sem a devida função (ecolalia);

· Não compartilhar seus interesses e atenção, apontando para algo ou não olhar quando apontamos algo;

· Girar objetos sem uma função aparente;

· Interesse restrito ou hiperfoco;

· Não imitar;

· Não brincar de faz-de-conta.

Entendi, mas como o médico faz o diagnóstico?

O diagnóstico de TEA é feito em consulta médica, clinicamente. Isso significa que não são necessários exames laboratoriais, de imagem ou eletroencefalograma para defini-lo, mas isso não quer dizer que por não serem feitos exames complementares o diagnóstico seja impreciso.

O médico usa critérios para definir se a criança está dentro do espectro ou não. E a recomendação mais atualizada é a de que devemos usar os critérios citados no DSM V. Através dos critérios, o médico observa a criança, colhe as informações dos pais e identifica se a criança realmente apresenta todos os elementos necessários para efetivar o diagnóstico.

Cabe também ao médico avaliar se existe alguma patologia mais provável que apenas o autismo. Ele pode pensar nessas condições caso perceba alguma alteração não esperada no exame físico ou caso os critérios para autismo não sejam completamente atendidos. A lista de diagnósticos que podem ser confundidos com autismo é grande e vou deixar a abordagem dela para um outro post no site!

Para aqueles que tiverem interesse em ver os termos científicos utilizados e conhecer os critérios oficiais de diagnóstico do DSM V é só clicar na imagem abaixo que você será direcionado para a página com os critérios.

Classificação da gravidade do TEA


Recentemente, define-se o nível de gravidade de acordo com a quantidade de assistência que a criança precisa. Divide-se por área: interação/comunicação social e comportamento restritivo/repetitivo.


Interação/comunicação social:

Nível 1 (necessita suporte): Prejuízo notado sem suporte; dificuldade em iniciar interações sociais, respostas atípicas ou não sucedidas para abertura social; interesse diminuído nas interações sociais; falência na conversação; tentativas de fazer amigos de forma estranha e mal-sucedida.

​Nível 2 (necessita de suporte substancial): Déficits marcados na conversação; prejuízos aparentes mesmo com suporte; iniciação limitadas nas interações sociais; resposta anormal/reduzida a aberturas sociais.

​Nível 3 (necessita de suporte muito substancial): Prejuízos graves no funcionamento; iniciação de interações sociais muito limitadas; resposta mínima a aberturas sociais.

Comportamento restritivo / repetitivo:

Nível 1 (necessita suporte): Comportamento interfere significativamente com a função; dificuldade para trocar de atividades; independência limitada por problemas com organização e planejamento.

​Nível 2 (necessita de suporte substancial): Comportamentos suficientemente frequentes, sendo óbvios para observadores casuais; comportamento interfere com função numa grande variedade de ambientes; aflição e/ou dificuldade para mudar o foco ou ação.

​Nível 3 (necessita de suporte muito substancial): Comportamento interfere marcadamente com função em todas as esferas; dificuldade extrema de lidar com mudanças; grande aflição/dificuldade de mudar o foco ou ação.


Escalas diagnósticas, para que servem e quais existem?

Como vocês podem imaginar nem sempre é fácil identificar todos esses elementos. Para facilitar a percepção desses critérios foram criadas escalas que facilitam a quantificação dos sintomas e estruturam a pesquisa de sintomas até para médicos não especialistas. Abaixo vou citar algumas escalas e comentar para o que são utilizadas.


M-CHAT - uma das escalas mais famosas. São 23 perguntas destinadas aos cuidadores da criança a respeito das suas capacidades sociais. Ela é utilizada para identificar na população geral sintomas, mesmo que discretos, que possam indicar a possibilidade da criança estar dentro do espectro. Como o objetivo dela é pegar todas as crianças em risco ela acaba tendo muitos falsos positivos, um teste altamente sensível. E o que isso significa? Que a maioria das crianças em risco vão ser identificadas, mas várias das que foram positivas no teste podem não estar dentro do espectro, algumas podem ter outro atraso que justifique os achados e ainda outras podem estar dentro do normal. A importância do MCHAT está na identificação de quais crianças devo me preocupar e continuar com uma investigação mais a fundo.


CARS (escala de pontuação para autismo na infância) - É baseado na observação do comportamento. Serve para identificar as características do autismo e para classificar entre casos de autismo leve, moderado e grave. Mais especificamente, a escala de gravidade é de quatro pontos (déficit ausente, leve, moderado ou grave) para cada um de 15 comportamentos bem descritos, além de um escore diagnóstico de gravidade geral. Estes 15 itens incluem: relações pessoais, imitação, resposta emocional, uso corporal, uso de objetos, resposta à mudanças, resposta visual, resposta auditiva, resposta e uso do paladar, olfato e tato, medo ou nervosismo, comunicação verbal, comunicação não verbal, nível de atividade, nível e consistência da resposta intelectual e impressões gerais. A soma geral do escore da CARS varia de zero (sem características de autismo) a 60 (todas as características graves preenchidas).


ADI-R (entrevista diagnóstica do autismo revisada) - Pode ser aplicada dos 18 meses até a idade adulta, deve ser aplicada junto aos pais e é utilizada no diagnóstico diferencial de TEA. É uma entrevista estruturada com 93 questões que abordam os 3 domínios de maior relevância diagnóstica: Linguagem/ Comunicação; Interação Social; Comportamentos/Interesses Restritos, Repetitivos e Estereotipados. Ainda sem padronização brasileira.


ADOS 2 (programa de observação diagnóstica de autismo) - esse é um pouco diferente, realizado diretamente com a criança ou adulto. É composto por uma série de atividades em que são pesquisados comportamentos desencadeados durante a entrevista. O entrevistador preenche um checklist que resulta em uma pontuação que irá classificar em fora ou dentro do espectro e com qual grau de comprometimento. É uma boa escala a ser aplicada quando existe a dúvida diagnóstica.


Existem muitas outras escalas para o uso no TEA, porém essas são algumas das mais utilizadas.


Eu ouvi falar que tem alguns exames recomendados. Isso é verdade?


Existem algumas situações em que sim, outros exames são necessários.

Temos a indicação formal para realização de eletroencefalograma caso a criança tenha apresentado em alguns momentos perda da consciência ou movimentos anormais que possam indicar a ocorrência de crises convulsivas. Esse exame é realizado através da colocação de eletrodos na cabeça da criança e observado o padrão das ondas eletromagnéticas cerebrais. Ele serve para identificar e caracterizar crises epiléticas e avaliar necessidade de medicação anticonvulsivante além de auxiliar na escolha da melhor droga a ser usada.

Porém existe controvérsia sobre a indicação deste exame nas crianças com TEA sem sintomas sugestivos de crises. Isso pois o tratamento de anormalidades no traçado sem a correlação com crises não mostra benefícios ao paciente de forma estatisticamente comprovada e pode trazer os malefícios dos efeitos colaterais da medicação.



A ressonância magnética é um exame de imagem de alta definição utilizado para avaliar a estrutura cerebral. Ela está indicada quando a criança apresenta outros sintomas além do autismo, que podem indicar alguma lesão por trás do quadro ou alguma outra causa. Porém não é indicado nos pacientes com autismo clássico, caso seja realizada, considerando que nas crianças geralmente há a necessidade de sedação, estamos expondo a criança a riscos desnecessários.



Testes genéticos podem ser realizados mas não são recomendados de rotina. Normalmente é sugerida a realização do CGH-array que chega a apresentar alterações em cerca de 12% das crianças com o diagnóstico. Quando alterado esse exame pode auxiliar no aconselhamento genético e planejamento familiar, porém não tem o papel de definição do diagnóstico nem de definição de tratamento. Outra possibilidade do uso de testes genéticos seria para a investigação de doenças comuns que podem ser confundidas com o autismo, como a Síndrome do X-frágil.



E agora? Reconheço os sintomas e o médico fez o diagnóstico de TEA.

Essa conversa vai ficar para o próximo post do site, fique ligado! Acompanhe também pelo instagram @pequenos.neuronios e facebook!

Texto escrito por: Luis Paulo Ferreira de Souza Dutra, médico neurologista pediátrico, criador da central de conteúdos Pequenos Neurônios.

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A Care4life é uma empresa que oferece atendimento domiciliar, não apenas para neuropediatria como também para idosos. Caso tenha interesse acesse www.care4life.com.br para saber mais.




Indicação de conteúdo em português:


Livros

Autismo perspectivas do dia a dia

O cérebro autista

Autismo. Compreender e Agir em Família


Conteúdos em inglês

Referências


Tratado de Neurologia Infantil,



Rapin Isabelle, Goldman Sylvie. A escala CARS brasileira: uma ferramenta de triagem padronizada para o autismo. J. Pediatr. (Rio J.) [Internet]. 2008 Dec [cited 2020 Mar 22] ; 84( 6 ): 473-475. Available from: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0021-75572008000700001&lng=en. https://doi.org/10.1590/S0021-75572008000700001.





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